segunda-feira, 7 de setembro de 2020

REALIDADE MÁGICA – PARTE 2 – O MÁGICO - CAPÍTULO 2

 

                       REALIDADE MÁGICA –  LIVRO 1 

                            PARTE 2 – (Capítulo 2)

                                     O MÁGICO 


Graças à generosidade de Eliel, conheci muitos lugares que jamais caberiam no meu orçamento. Durante as apresentações que realizei em uma cidadezinha, havia uma jovem que me olhava com insistência e não perdia uma das minhas sessões. Eu pensava: “Se ela me enviasse um sinal qualquer, eu ficaria felicíssimo.”

 

Certo dia, eu estava no banco de um jardim, preso em um desses devaneios causados pela lembrança do olhar da bela jovem, quando algo saltou em meu bolso. Sorri ao lembrar-me de Eliel. Ele certamente preocupava-se com a minha demora. Entretanto, um calafrio percorreu a minha espinha no momento em que retirei o cartão do bolso e li as palavras: “Gire o anel em sentido horário e encontre-se comigo em minha árvore.” Não poderia tratar-se de Eliel porque, para encontrá-lo, eu teria que girar o anel em sentido contrário. Seria Crisélia?! Um pavor imenso apoderou-se de mim. Seria ela a jovem pela qual eu, inadvertidamente, me apaixonara?!

 

Eu estava confuso e pensava em retornar à casa de Eliel para contar-lhe o ocorrido quando uma ligeira esperança surgiu com o pensamento: “Talvez a dona do bilhete não seja a dona do meu coração.” Levantei, olhei ao redor e verifiquei que não havia ninguém me observando… Desejei estar na árvore de Crisélia, fechei os olhos, girei o anel e lá estava eu. Senti-me aliviado quando uma jovem, que eu nunca vira antes, assustou-se e perguntou:

 

– Quem é você? Como ousa invadir a minha privacidade? Não vê que eu me preparava para repousar?

 

Eu disse sem rodeios:

 

– Lamento se cheguei num momento inoportuno, mas foi você quem me convidou a vir. Vamos logo ao que interessa: onde está Anabel?

 

A jovem empalideceu, e eu quase perdi o equilíbrio quando a ouvi afirmar:

 

– Eu sou Anabel. E você, quem é?

 

Ainda não refeito da surpresa, balbuciei:

 

– Ninguém. Quero dizer, ninguém que você conheça. Meu nome é Felizardo; sou amigo de Eliel. É ele quem está à sua procura.

 

Ela sorriu tristemente antes de dizer:

 

– Eu não conheço o seu amigo e duvido que haja alguém procurando por mim. Já faz tanto tempo que estou aqui sem ver ninguém além de Crisélia!… Como é o mundo lá fora?

 

Desejando estar na árvore de Eliel, segurei a mão de Anabel, fechei os olhos e girei o anel antes de responder:

 

– Você descobrirá por si mesma.

 

Abri os olhos, e ela perguntou assustada:

 

– O que está fazendo?!… Largue a minha mão!

 

Nervoso, chutei algo que estava no caminho enquanto exclamava:

 

– Não deu certo! Aquela bruxa sabia que eu não conseguiria, e foi só por esse motivo que permitiu que eu me aproximasse!

 

Surpreendi-me ao ouvir uma voz melodiosa dizer pausadamente:

 

– Não sou a vilã dessa história. Eu também desejava que você conseguisse levá-la até Eliel.

 

Perguntei em tom ríspido:

 

– Se não é mesmo uma bruxa, por que manteve esta jovem prisioneira por mais de sessenta anos?

 

Lamentei as minhas palavras pela reação que provocaram em Anabel. A lembrança de sua desventura retornou à sua mente, e ela entregou-se a um choro convulsivo. Dando-lhe algo para beber, Crisélia perguntou-me:

 

– Está satisfeito?!… Viu só o que conseguiu fazer à pobrezinha? Tive que lhe dar novamente a poção do esquecimento.

 

Enlouquecido, exclamei:

 

– Que poção é essa?!… Como consegue conviver com a sua consciência?!…

 

O olhar de Crisélia atravessou-me como uma lança. A pedido dela, saímos do quarto de Anabel e nos dirigimos à sala. Convidando-me a sentar, ela disse:

 

– Não se preocupe com a saúde de Anabel, porque a poção não é tóxica. Ela adormecerá rapidamente e, quando acordar, não se lembrará de sua desagradável visita.

 

Depois, olhando-me com desprezo, ela prosseguiu tecendo ofensas:

 

– Humano, satisfaça a minha curiosidade: o que Eliel prometeu-lhe em troca de ajudá-lo a localizar Anabel? Teria ele encontrado novamente a Fonte da Juventude?… Quanto pretende conseguir por sua preciosa água?

 

Levantei-me. Procurando manter a calma, disse:

 

– Não estou preocupado com o que possa pensar a meu respeito. A mente é sua; envenene-a o quanto quiser. Contos de fada são mais fáceis de ser contados do que vividos. O meu único desejo é que a história de Eliel e Anabel tenha um final feliz.

 

Ela surpreendeu-me quando perguntou:

 

– E quanto a mim? Não se importa com os meus sentimentos? Não se importa com o final que a minha história possa ter?

 

Eu estava sem palavras. Importava-me sim e muitíssimo. Eu desejava que ela pudesse ter toda a felicidade que o seu coração almejasse. Entretanto, respondi simulando indiferença:

 

– A sua história terá um final desastroso se você continuar mantendo Anabel prisioneira.

 

Espargindo farpas de ironia, ela disse:

 

– Anabel não é minha prisioneira. Nunca foi. Eu só a estou protegendo. Por que me olha desse jeito? Não acredita em mim?

 

Respondi com firmeza:

 

– Não. Nada do que disser poderá inocentá-la. Nada poderá justificar a sua atitude em relação a Anabel.

 

Crisélia, revestindo-se de paciência, revelou:

 

– Ouça o que descobri depois que jurei vingar-me do meu irmão… Eu estava no encalço de Anabel para atraí-la para a minha árvore e dar uma pequena lição em Eliel quando, inesperadamente, eu a vi encontrar-se com Inocêncio, o homem que prometera amar-me eternamente. Escondi-me e fiquei petrificada ao ouvi-lo ameaçar cortar a árvore de Eliel, caso Anabel desperdiçasse a água da Fonte da Juventude em benefício próprio. No início, pensei que ele quisesse a água mágica para que pudéssemos realizar o nosso sonho, mas logo percebi que o sonho era somente meu. Inocêncio ousou colocar um preço naquela dádiva da natureza e já possuía um comprador. Ele estava furioso e insistia para que Anabel lhe entregasse o frasco. Ela negava que o objeto estivesse em seu poder. Ele estava irreconhecível, completamente fora de si!

 

Com o olhar distante, Crisélia prosseguiu:

 

– Anabel chorava, e eu tive que intervir. Para defendê-la, lancei um encantamento sobre os galhos de uma árvore próxima. Os galhos ganharam vida e seguraram-no para que eu conseguisse conduzi-la à minha árvore. Após refazer-se do susto, Anabel contou-me que Inocêncio, seu irmão, obrigou-a a contar tudo sobre Eliel, e ela acabou revelando a existência do frasco que continha a água da Fonte da Juventude. Após ouvi-la atentamente, pude concluir o restante da história: Inocêncio, para evitar que Anabel bebesse o precioso líquido, resolveu consegui-lo através de mim. Naquela época, devido à minha forte ligação com Eliel, nossas árvores deslocavam-se juntas para um novo lugar e permaneciam sempre próximas. Não foi difícil para Inocêncio, sem o conhecimento de Anabel, localizar a minha árvore e arquitetar uma aproximação. Ele parecia tão sincero, e eu caí em sua teia. Ele insistia em dizer que o seu maior desejo era tornar-se imortal para viver ao meu lado eternamente, e tinha a certeza de que eu pediria a Eliel que me entregasse a água da Fonte da Juventude para que eu pudesse ofertá-la a ele.

 

Aproveitei-me do momento em que Crisélia fez uma pausa para perguntar:

 

– O que tencionava fazer a Anabel antes de presenciar o inesperado encontro?

 

Crisélia respondeu:

 

– Eu pretendia escondê-la por alguns dias apenas para chatear Eliel. Amo o meu irmão e gosto de Anabel. Eu seria incapaz de magoá-los.

 

Algo estava errado. As peças daquele enorme quebra-cabeça não se encaixavam. Surpreendi-me ao ouvir Crisélia dizer:

 

– Também não consigo compreender por que Eliel e Anabel continuam separados. Desde aquele dia em que eu a trouxe para a minha árvore, não consegui mais entrar em contato com ele. Não consigo vê-lo no espelho. Não consigo localizar a sua árvore. Não consigo enviar-lhe uma mensagem. Quando você veio para este lugar, eu pude sentir que você, de alguma forma, carregava a magia de Eliel consigo. Desculpe-me por tê-lo julgado mal. Se Eliel confiou em você, é porque você certamente é digno de confiança. Aceitaria uma xícara de chá?

 

Eu sorri antes de responder:

 

– Sim, obrigado.

 

Enquanto Crisélia servia o chá, aproveitei a oportunidade para desculpar-me:

 

– Gostaria que você também me perdoasse pelas coisas horríveis que eu disse.

 

Sorrindo, ela perguntou:

 

– Ainda me considera uma bruxa?

 

Respondi:

 

– Não. Sinceramente eu gostaria de poder desfazer a má impressão que lhe causei. Eu sou apaixonado por histórias e posso garantir que fui atraído apenas pela magia.

 

Com um sorriso cativante, Crisélia disse:

 

– Espere só um minuto. Eu volto logo.

 

Fiquei esperando ansioso. Quando ela retornou, entregou-me um livro que, pelo aspecto, parecia muito antigo. Sorrindo, ela comentou:

 

– É mágico. As páginas dele mudam de acordo com o seu desejo. Pense em um tema, e a história aparecerá. Se não gostar de alguma parte, basta desejar que ela seja contada de outra forma. É seu. Espero que goste.

 

Eu estava encantado, e o prazer que senti ao folhear o livro fez com que ela também se alegrasse. A alegria de Crisélia trouxe paz ao meu coração, e eu encontrei apenas um modo de agradecer-lhe: levantei para abraçá-la. Tremi ao sentir que ela retribuía o meu abraço e não consegui resistir ao ímpeto de beijá-la. Desculpei-me em seguida. Eu estava terrivelmente embaraçado, e o meu embaraço parecia diverti-la. Naquele mesmo instante, tive uma intuição e disse:

 

– Guarde o livro para quando eu voltar.

 

Confusa, ela perguntou:

 

– Aonde você vai?

 

Girando o anel, respondi:

 

– Encontrar Eliel.

 

Ela disse:

 

– Não conseguirá. É melhor você…

 

Não pude ouvir o final da frase porque, em poucos segundos, eu estava na árvore de Eliel. Decepcionei-me ao encontrá-la vazia. Uma nova intuição ocorreu-me. Girei o anel e retornei à árvore de Crisélia. Surpresa, ela perguntou:

 

– Como você conseguiu? Eu pensei que houvesse algum tipo de bloqueio entre a árvore dele e a minha.

 

Arrisquei um palpite:

 

– Não há. Venha comigo. A árvore dele está vazia.

 

Usei o polegar da mão em que estava o anel para girá-lo e, com a outra mão, segurei a mão de Crisélia, exatamente como fizera ao tentar transportar Anabel. Ao nos encontrarmos no interior da árvore de Eliel, Crisélia exclamou:

 

– Não compreendo! Talvez a única explicação seja a ausência dele.

 

Aventurei-me a dizer:

 

– Isso nos dá uma vantagem. Na ausência de Eliel, talvez consigamos trazer Anabel.

 

Crisélia concordou, e voltamos para buscá-la.

 

Fizemos várias tentativas, mas todas infrutíferas. Crisélia comentou:

 

– Não faz sentido! Você sozinho não consegue levá-la. Eu não consigo levá-la. Nós dois juntos também não conseguimos. Eu lhe disse que havia um bloqueio. Só não imaginei que o bloqueio estivesse direcionado a Anabel.

 

Foi a minha vez de exclamar:

 

– Impossível! Ele a ama. Além disso, se o bloqueio fosse direcionado apenas a Anabel, não haveria motivo para que você não conseguisse mais observá-lo através do espelho. Onde está o espelho? Talvez agora você consiga ver Eliel. Alguma coisa pode ter mudado.

 

Crisélia ponderou:

 

– É melhor deixarmos para amanhã. O espelho está no quarto de Anabel, e eu não quero acordá-la. Você também precisa descansar.

 

FIM DO SEGUNDO CAPÍTULO

 

Sisi Marques

07/09/2020

 

C O N T I N U A . . .


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