REALIDADE MÁGICA
PARTE 2 - CAPÍTULO 1
O MÁGICO
O encontro inesperado e misterioso com Anastácio e as
visitas que eu fazia àquela propriedade, onde respirávamos histórias e presenciávamos
o seu desabrochar em forma de flores atraentes e perfumadas na manhã seguinte,
representavam o passo maior que eu conseguira dar em relação à magia.
O meu coração sempre buscara algo que estivesse além desta
realidade. As histórias que eu contava prazerosamente não bastavam para
satisfazer a minha sede cada vez mais intensa de fantasia. Não se pode
acreditar em algo que só existe na imaginação das pessoas. Contar histórias,
sim. Acreditar nelas, não.
Quando eu era chamado para exercer o meu ofício de contador
de histórias em festas infantis, sempre havia a oportunidade de assistir às
apresentações dos mais diversos números de mágica. Para expressar a minha
frustração em relação à mágica, criei uma teoria: “Há mágica na magia, mas não
há magia na mágica.” Você dirá que também fabrico ilusões; entretanto, nas
histórias, há magia e esperança.
Anos mais tarde, porém, fui obrigado a repensar a minha
teoria de não haver magia na mágica. Meus olhos se abriram durante uma
apresentação que, sem sombra de dúvida, era uma demonstração de magia. Não
houve preparação alguma: ofereci-me para ser o assistente do mágico e posso
assegurar que não houve preparação alguma. O que aparecia surgia do nada, e o
que sumia ao nada voltava. Não havia uma caixa com fundo falso, cortinas,
objetos escondidos nas mangas e nos bolsos… Não havia distrações… Não havia
truques de espécie alguma… Havia apenas uma varinha que me deixava intrigado
toda vez que se agitava no ar, embalada por palavras inaudíveis.
O mágico era de poucos amigos e de pouca conversa. Cheguei
mesmo a considerá-lo arrogante e intratável. Apesar disso, o meu sonho de
contemplar a magia na mágica realizava-se, e eu estava fascinado. A ocasião era
uma festa de dez anos. Ele fez o seu trabalho, e eu fiz o meu. Mal conversamos,
e ele foi embora sem se despedir. A pedido do aniversariante, eu fiquei um
pouco mais para contar uma última história. Eu já estava de saída quando o
menino comentou:
– O mágico esqueceu a cartola.
Reconheci a oportunidade e decidi aproveitá-la. Perguntei ao
garoto o endereço do mágico e me ofereci para entregar-lhe o chapéu.
A casa do mágico ficava a dois quarteirões e não tinha nada
de especial. O mágico não me agradeceu o favor. Apanhou a cartola e entrou,
fechando a porta atrás de si. Eu fiquei parado feito uma estátua, pensando em
sua falta de… Algo pulou em meu bolso e interrompeu o meu pensamento. Receoso,
imaginando tratar-se de uma brincadeira de mau gosto dos meninos da festa,
coloquei a mão no bolso para verificar o que era. Havia apenas um cartão com os
dizeres: “Encontre-me na entrada da floresta à meia-noite.” Senti as pernas
tremerem. Um sapo teria me causado menos pavor.
Passei o resto do dia imaginando como seria aquele encontro.
Não consegui jantar. Eu sentia náusea só de pensar em atravessar a estrada para
entrar na floresta. Gosto de florestas apenas nas histórias. Na vida real,
porém, elas me dão calafrios. E por que à meia-noite?… Certamente aquele
sujeito estava zombando de mim. “E se ele não aparecer?” Essa era a pergunta
que eu fazia a mim mesmo já na entrada da floresta. Minhas pernas estavam
bambas, e o meu coração quase saltou pela boca no momento em que ouvi o pio de
uma coruja. Se o mágico não me tivesse segurado pelo braço, não me envergonho
em dizer que teria saído correndo.
Um pouco mais calmo, ainda sentindo sua mão apertando o meu
braço, virei a cabeça para certificar-me de que era ele realmente e exclamei:
– Pode me soltar! Combinamos de nos encontrar na estrada, e
nada fará com que eu entre na floresta.
Com a nítida intenção de me aborrecer, ele disse:
– Não combinamos coisa alguma. Eu só lhe enviei uma
mensagem. Você veio porque quis e poderá ir embora quando desejar. Agora, vai
entrar ou vai continuar aí parado?
Eu fui obrigado a confessar:
– Florestas me dão calafrios especialmente à noite. Já ouvi
e contei tantas histórias sobre florestas que, na minha imaginação, elas estão
povoadas com todos os tipos de seres.
Para assustar-me ainda mais, ele disse em tom enigmático:
– Pois a sua imaginação não conhece a milésima parte deles.
Não consegue ver os olhos curiosos e horrendos que nos espreitam por detrás das
folhas? Há perigo e mistério em cada canto…
Ele não conseguiu continuar, porque começou a rir. Depois,
retomando seu mau humor, perguntou irônico:
– Está decepcionado? Esperava que eu inventasse histórias
para entretê-lo? Que espécie de contador de histórias é você? É uma pena eu não
ter um espelho para você ver a cara que faz quando está com medo. Ou eu
tenho?!… Veja só: apareceu um em meu bolso.
Odeio quando caçoam de mim. Para vingar-me de seu sarcasmo,
eu disse:
– Também não estamos aqui para você exibir os seus truques.
Surpreendi-me quando o ouvi dizer:
– Você tem razão: estamos perdendo um tempo precioso.
Siga-me; quero mostrar-lhe o meu verdadeiro lar.
Que verdadeiro lar seria aquele? Enquanto caminhávamos,
folhas úmidas e galhos pontudos esbarravam no meu rosto e nas minhas roupas, e
eu tremia com receio de me perder naquela escuridão. Quando dei por mim,
estávamos diante de uma árvore que eu não conseguia enxergar, e teria ido de
encontro a ela se ele não tivesse gritado:
– Pare. Há uma árvore enorme bem à sua frente. Sinta-a com
as mãos. Contorne-a. Ela precisa conhecê-lo para deixá-lo entrar.
Aquilo mais parecia um ritual, e eu não saberia dizer
quantas vezes fui obrigado a caminhar ao redor da árvore, abraçando-a,
apalpando-a, até que, para o meu desespero, o meu braço ficou preso no tronco.
Eu gritava feito louco:
– Meu braço! Árvore maldita, solte o meu braço!
Procurando acalmar-me, o mágico disse:
– Está tudo bem. Feche os olhos e entre. Ela aceitou a sua
presença, e a barreira invisível já foi removida.
O mágico estava certo. Quando eu respirei profundamente e
caminhei de encontro à árvore, ela não colocou a menor resistência. Ele também
já estava dentro dela quando murmurei lentamente:
– Eu estou dentro da árvore! Nós estamos dentro da árvore!
Como isso é possível?!
Ele exclamou com a maior naturalidade:
– O tronco é oco!
Revesti-me de impaciência ao exclamar:
– Não banque o espirituoso! A questão é: como atravessamos o
tronco?
Ele respondeu calmamente:
– A minha árvore se abriu para que pudéssemos entrar. Está
com fome? Siga-me. Cuidado com os degraus. Nos cômodos subterrâneos, há
bastante iluminação, conforto e tranquilidade. Aqui não há nada a temer.
Cansado de esperar que eu me servisse da comida que estava
sobre a mesa, ele disse:
– Eu deveria ter imaginado que o seu medo estragaria o seu
apetite. Talvez consiga comer mais tarde. Também há algo em meu interior que me
rouba o prazer de tudo, inclusive, de uma boa refeição.
Eu estava quieto demais, e o meu silêncio parecia
incomodá-lo mais do que as minhas perguntas. Ele olhava para mim, imaginando
que a minha curiosidade fosse jorrar a qualquer momento. Mas eu não conseguia
raciocinar adequadamente: os meus pensamentos pareciam as argolas soltas de uma
corrente que acabara de se quebrar. Não achei a menor graça quando ele
comentou:
– A sua língua deve ter ficado do lado de fora. Caso contrário,
você já teria me perguntado o que rouba o meu prazer.
Eu usei de toda a sinceridade quando disse:
– Não estou interessado. Só o que desejo saber é se
conseguirei sair daqui algum dia.
Ele comentou:
– A minha árvore bem que poderia mantê-lo prisioneiro,
porque você me diverte e olha que há décadas eu não me divertia tanto!
Mal-humorado, respondi:
– Ria! Pode se divertir o quanto quiser! Amanhã, quando o
dia clarear, encontrarei um meio de sair daqui. E quer saber quem levará a melhor?
Surpreendi-me quando o ouvi exclamar:
– Crisélia!… Ela sempre leva a melhor, e restam apenas sete
meses…
O mágico conseguira acender a minha curiosidade e sorriu
tristemente quando me ouviu perguntar:
– Quem é Crisélia? Você a ama?
Com o olhar perdido em lembranças, ele afirmou:
– Muitíssimo, embora ela tenha jurado que Anabel e eu nunca
mais tornaríamos a nos encontrar. Já se passaram sessenta e cinco anos, quatro
meses e nove dias desde a última vez em que os meus olhos beberam da doçura dos
olhos de Anabel.
Imagine só! Eu fiquei perdido, tentando repassar na minha
mente o número de anos, meses e dias que o mágico mencionara. Tudo começou a
fazer sentido: ele não era um mágico e sim um mago disfarçado. Lembrei-me dos
sete meses e arrisquei a pergunta:
– Se já faz tanto tempo que estão separados, por que os
próximos sete meses são tão relevantes?
O mago respondeu:
– Daqui a sete meses, a minha árvore mudará de lugar, e eu
não sei aonde ela me levará. Isso sempre acontece. Ela não fica mais do que
dezessete meses em um mesmo local. Por que continuar se Anabel não estará lá?…
Ela nunca está. Não há esperança.
Sensibilizado com o seu sofrimento, perguntei:
– Por que não me diz como posso ajudá-lo? Você não teria me
trazido aqui e exposto o seu segredo se não houvesse uma razão.
Ele exclamou:
– E não há! Talvez eu estivesse me sentindo muito solitário
e precisasse desabafar com alguém!… Você não conseguiria compreender o tormento
que é viver essa vida dupla: parte na floresta e parte com aquelas pessoas que
mais parecem estar dormindo do que vivendo. O meu mundo é aqui, mas eu preciso
visitar os povoados para encontrar Anabel. Se existe alguma possibilidade do
meu plano funcionar, é bem remota.
Perguntei entre surpreso e receoso:
– Que plano?!… Não me diga que faço parte dele!
Ele afirmou:
– O sucesso do meu plano dependerá de seu empenho.
Exclamei:
– Você é maluco! Primeiro afirma que me trouxe para cá sem
motivo; depois menciona um plano do qual eu faço parte, mas não tenho
conhecimento algum!…
O mago, para confundir-me ainda mais, disse:
– Arquitetei um plano no qual você seria o instrumento que
eu usaria para encontrar Anabel e trazê-la de volta. Agora vem a parte em que
você acertou em cheio: sou maluco, o plano é inútil, e eu não deveria ter
revelado o meu segredo.
Arrisquei afirmar:
– Modestamente, considero-me a sua melhor opção. Só não
compreendo como poderia tornar-me um instrumento em sua busca.
Pela primeira vez, pude observar uma mudança no olhar e na
expressão do mago. Ele parecia ter abandonado todas as máscaras e subterfúgios
quando disse:
– Talvez eu não seja maluco, o meu plano não seja
descartável, e trazê-lo aqui tenha sido a melhor decisão que já tomei. Meu nome
é Eliel. Viaje para vários lugares e conte a minha história. Diga que, em
muitas florestas, existe sempre uma única árvore, habitada pelo mesmo elfo que
chora de saudade.
Embora eu tenha gostado muito, não consegui evitar a
pergunta:
– É só isso?… Quero dizer, as pessoas desejarão saber como a
história continua.
Balançando a cabeça em sinal de desacordo, ele declarou:
– É o suficiente. Agora precisamos dormir, mas antes terá
que se alimentar.
Na manhã seguinte, acordei em um quarto que não era o meu,
em uma casa que não era a minha e dentro de um pijama que igualmente não era
meu. Pensei: “Se tudo não passou de um sonho, por que não estou em casa?” A
resposta para o que estava acontecendo, entretanto, não tardou a aparecer.
Eliel entrou no quarto, cumprimentou-me e abriu as cortinas. Perguntei-lhe:
– Onde estamos?
Ele respondeu:
– Na minha casa. Onde mais poderíamos estar? Lembre-se da
frase de sabedoria: “Paredes têm ouvidos.” Pode apostar que elas têm mesmo.
Certa vez, em um pequeno vilarejo, quase fui acusado de bruxaria devido às
minhas frequentes incursões à floresta. Preciso ser discreto. Prefiro fazer a
mágica debaixo do nariz deles a fazê-la às escondidas. Vá se vestir que o café
já está pronto.
Após o desjejum, caminhamos até a praça. Tenho um hábito que
é difícil de resistir: mal sentei no banco, retirei o bloquinho de anotações do
bolso e a caneta. Pedi a ele:
– Conte-me uma história qualquer. Quem viveu durante tanto
tempo deve ter muita coisa para contar.
Ele disse:
– Encontre Anabel, e ela lhe contará quantas histórias
quiser. Anabel, antes de se apaixonar por mim e beber da Fonte da Juventude,
adorava encantar as pessoas com suas histórias. Certa vez, eu estava passeando
pelo parque e ouvi uma delas. Quando me aproximei para pedir-lhe que viesse
morar comigo em minha árvore, ela se assustou e pediu-me tempo e paciência.
Paciência eu tinha de sobra; tempo, porém, era algo do qual eu não dispunha.
Entreguei a ela um pequeno frasco que continha o líquido mais precioso que
alguém poderia sonhar em obter: a água mágica da Fonte da Juventude.
Após uma breve pausa, Eliel prosseguiu:
– Crisélia, minha irmã, preocupada com o meu bem-estar,
costumava observar-me em seu espelho mágico. Ela procurou-me e disse que
precisava do líquido para tornar imortal um jovem por quem se apaixonara.
Neguei-lhe o pedido; e ela, quando viu em seu espelho que eu entregara o frasco
a Anabel, revoltou-se e jurou nos separar. Anabel, dois dias antes do
deslocamento da minha árvore, confessou-me o seu amor e bebeu o líquido que
permitiria que ficasse jovem e bela para sempre. Com a intenção de despedir-se
de seus familiares e tranquilizá-los quanto à sua partida, disse-me que se
ausentaria por algumas horas e nunca mais retornou. Fiquei desesperado, mas não
havia nada que eu pudesse fazer. O momento da partida chegou, e a minha árvore
transportou-se para outro local. Eu jamais pensei que pudesse contar a minha
história para alguém, especialmente, para um humano.
Não o interrompi, porque eu estava atônito. A história era
verdadeira, e eu silenciosamente agradecia a ele por tê-la confidenciado a mim.
Para quebrar o silêncio que se seguiu após ele terminar a narrativa, perguntei:
– Gostaria de tomar sorvete?
Eliel aceitou o convite. Depois da sorveteria, retornamos à sua
casa, e ele entregou-me dois objetos enquanto dizia:
– Tanto o anel quanto a carteira foram confeccionados com
fibras extraídas da casca da minha árvore. O anel poderá conduzi-lo aonde
desejar, e a carteira conterá o dinheiro que precisar.
Aceitei os dois presentes alegremente, perguntando-me o que
mais um homem poderia desejar; e Eliel, adivinhando os meus pensamentos,
respondeu:
– Amor. Não há magia maior. Lembre-se de todos os lugares
dos quais já ouviu falar, deseje conhecê-los, feche os olhos e gire o anel em
sentido horário. Se desejar voltar para esta casa ou encontrar-me em minha
árvore, gire o anel em sentido anti-horário. Quanto à carteira, poderá prover
todas as suas despesas de alimentação, vestuário e moradia. Não economize; você
merece o melhor. Basta imaginar a quantia, desejar obtê-la, fechar os olhos,
abrir a carteira, e o dinheiro certamente estará lá. Alguma pergunta?
Com o semblante preocupado, comentei:
– Não poderei partir antes do final da semana, porque ainda
tenho mais duas apresentações agendadas.
Fiquei surpreso quando o ouvi dizer:
– Faça o que tiver que fazer e, quando estiver disponível,
arrume as malas e deixe que o vejam pegar o ônibus com destino a algum lugar.
Só então comece a utilizar o anel e a carteira. Até o dia de sua partida,
ficará hospedado em minha casa. E não me agradeça, porque só estou pensando em
mim mesmo. Ser hospitaleiro e fazer amizade com um recém-chegado será muito bom
para a minha reputação nesta vila.
FINAL DO 1º CAPÍTULO DA PARTE 2 (O MÁGICO) DE “REALIDADE
MÁGICA – LIVRO 1”.
Sisi Marques
29/08/2020
NÃO PERCA A CONTINUAÇÃO DA PARTE 2 (O MÁGICO), NA PRÓXIMA
SEXTA-FEIRA, DIA 04/09/2020.
Até breve!...
Sisi Marques
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